Por Rejiane Prado e Raphael Romano
O surgimento das novas tecnologias (nanotecnologia, inteligência artificial, big data, internet das coisas, criptomoedas etc.) conduziu a um avanço rápido e exponencial da economia digital, rompendo conceitos tradicionais, tornando relações sociais e jurídicas mais complexas, bem como a celebração de instrumentos contratuais e acordos empresariais multilaterais.
A “nova sociedade”, considerada como sociedade da informação, transformou o mundo físico em que vivíamos e conhecíamos. O cenário mudou radicalmente e, desde a revolução impulsionada pela internet, o mundo se virtualizou, influenciou novos processos de produção de bens e serviços aos consumidores, melhorou produtividade, relações de emprego, conduzindo a economia a ser dominada por empresas de tecnologias.
Assim, a economia digital é completamente distinta do mercado que dominava no passado e tem gerado grande repercussão na esfera social, política e econômica. Tornou modelos de tributação tradicionais questionáveis e obsoletos e impôs novos desafios e ameaças aos Estados, derivados principalmente pela ausência de presença física no país, transações complexas e dependência de ativos intangíveis, revelando inclusive interesses estratégicos.
Pela ótica da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), há quatro premissas básicas para se compreender a economia digital e por que ela impacta na tributação e arrecadação dos países: 1) a acentuada dependência de intangíveis; 2) o uso maciço de dados, especialmente os de caráter pessoal dos usuários e consumidores; 3) a frequente adoção de modelos de negócios multilaterais; e 4) a dificuldade de determinar a jurisdição na qual a criação de valor ocorre, notadamente em razão da marcante mobilidade dos ativos e “estabelecimentos” (OECD, 2015, p. 16) [1].
Toda essa transformação é apenas a ponta do iceberg, e, na verdade, o início de uma transformação que será ainda mais profunda, caracterizada pela disrupção dos limites entre os mundos físico, digital e biológico nas palavras de Klaus Schwab [2].
A Constituição Federal do Brasil foi promulgada em 1988, há mais de 30 anos, em um ambiente totalmente carente de contexto digital, em que o foco das operações era físico, e, desde então, teve poucas alterações de cunho tecnológico.
É evidente que as regras atuais de tributações internas e internacionais, como já exposto, têm se mostrado cada vez mais ineficazes e insuficientes em lidar com a revolução empreendida pelas atividades econômicas geradas no âmbito da era digital, provocando grande evasão tributária e perda de receita dos impostos.
Segundo José Roberto Rodrigues Afonso [3], no estudo “A Tributação na Era Digital e os Desafios do Sistema Tributário no Brasil” [4], elaborado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), estima-se que negócios por trás de aplicativos e plataformas digitais, em geral, pagam muito menos impostos que os tradicionais, observada a taxa média de 8,5% em atividades domésticas a 10,15% em internacionais, no primeiro caso, comparadas com os 20,9% a 23,2%, respectivamente, nos modelos antigos de negócios.
Assim, a presença cada vez mais pujante das tecnologias digitais na caracterização de valor dos negócios empresariais tem instigado os estudiosos da tributação e criado grande dificuldade de consenso entre os países em definir o local de geração de valor e alocação de receitas tributárias.
Todo esse panorama tem levado a OCDE a tentar estabelecer um plano de taxação das atividades digitais, independentemente de estarem instaladas ou não nos países, baseado em duas vertentes: 1) taxação mínima global; e 2) repartição de tributação entre países de forma que as grandes empresas tecnológicas paguem os impostos no local de residência de seus clientes.
Não há nada de concreto e o plano da OCDE ainda carece de amplo acordo internacional, porém é claro que a revolução digital deve ser acompanhada de perto, juntamente com a atualização e desenvolvimento tributário eficaz que atenda às vertentes exponenciais da revolução econômica digital, que deve adequar-se aos novos tempos.
Portanto, diante de tantas lacunas a serem preenchidas, as questões relacionadas à forma e aos meios de tributação dessas novas tecnologias ainda demandarão muita análise e pesquisa. Cabendo a nós, usuários ou estudiosos do Direito, a responsabilidade de, como sociedade, exigir do governo a adoção da solução mais eficiente possível para a nossa realidade, mantendo-se o equilíbrio entre o dever arrecadatório necessário ao país e a necessidade do contínuo desenvolvimento das tecnologias no Brasil.
[1] OECD. Organisation for Economic Co-operation and Development.Addressing the Tax Challenges of the Digital Economy, Action 1 – 2015 Final Report, OECD/G20.Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing, 2015.
[2] SCHWAB, Klaus. A Quarta Revolução Industrial. Trad. Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2016.
[3] AFONSO, José Roberto; PORTO, LAÍS K. Tributos sem Futuro. Conjuntura Econômica (RIO DE JANEIRO), v. 72, p. 32-35, 2018
[4] CORREIA NETO, Celso de Barros; RODRIGUES AFONSO, José Roberto; FUCK, Luciano Felício. A Tributação na Era Digital e os Desafios do Sistema Tributário no Brasil. Revista Brasileira de Direito, Passo Fundo, v. 15, n. 1, p. 145-167, set. 2019. ISSN 2238-0604. Disponível em: https://seer.imed.edu.br/index.php/revistadedireito/article/view/3356. Acesso em: 21 out. 2020. doi:https://doi.org/10.18256/2238-0604.2019.v15i1.3356.
Revista Consultor Jurídico, 27 de novembro de 2020, 9h11
Fonte: https://www.conjur.com.br/2020-nov-27/prado-romano-novas-tecnologias-tributacao-futuro